sábado, 10 de junho de 2023

O ASPECTO MORAL DA GENEALOGIA

Por Sebastião Pagano (década de 1930) em artigo da Revista do Instituto de Estudos Heráldico-Genealógicos, transcrito de um discurso desse autor, renomado genealogista, na nossa grafia revisada + notas entre parênteses.




Com o advento da revolução francesa de 1789*, que deitou por terra os fundamentos da Tradição (nobreza) na França e no resto do mundo, surgiu uma falsa afirmação de que a Genealogia somente serviria para “cultuar um passado morto e vaidades perdidas”, quando na realidade, os princípios tradicionalistas continuam (século XX) fielmente defendidos pelos que compreendem que não há uma ordem universal presente ou passada; mas sim, eterna e lógica. Também se verificou pelos catastróficos resultados decorrentes de mais de 100 anos de princípios revolucionários (hoje 200, decorrentes da funesta Revolução Francesa de 1789 – repetida e comemorada exatamente 100 anos após no Brasil, com a deposição e exílio de D. Pedro II pela conspiração da maçonaria judaica-francesa), que se impõe uma revisão total e absoluta dos elementos construtores da nossa sociedade.

E isto porque, verifica-se facilmente que, dos falsos princípios revolucionários (que prometiam “igualdade”, “liberdade”, “fraternidade), voltamos à escravidão cesárea do mundo antigo”. Daí a importância crescente adquirida pela Genealogia nos nossos dias, não apenas pela simpatia de um passado feliz, mas também pela revisão dos valores morais e das justas precedências hierárquicas (solapadas pelo golpe de 1889), esperando o dia em que esta maré revolucionária seja vencida, e a paz e prosperidade voltem a reinar entre os homens.

Um ilustre historiador francês do início do século XIX, com o pseudônimo de V (quinto), na sua obra “Histoire Généalogique des Maisons Souveraines de l´Europe” (1811), diz logo no seu discurso preliminar:

 

“A Cronologia, a Geografia e a Genealogia são as três ciências sobre as quais repousa a História; a Cronologia fornece a data em que a ação se realiza; a Geografia ensina o lugar onde a ação se desenrola; e a Genealogia mostra que personagem realiza essa ação”.

 

“Esta ciência é (entre outras coisas) a conservadora da ilustração e dos direitos dos soberanos e faz recair sobre os que a merecem, celebridade, jatos de glória e esplendor que a posteridade jamais recusa aos seus príncipes heróis que se dedicaram à felicidade de suas respectivas nações, e transmite freqüentemente, duma família à outra*, o poder de reinar sobre diferentes povos, ou o direito de co-dividir impérios”.

“Impõe aos descendentes dos fundadores das dinastias o respeito, o reconhecimento e a filial piedade devidas às sólidas virtudes que criaram a sua autoridade, e que são causa, para os que pagam o justo tributo, de gozar dos direitos respeitáveis, de serem sobre a face da Terra, os representantes da imagem da divindade”, ou representantes da Justiça e do bem público.

Note-se que esta afirmação está em consonância com a encíclica de Leão XIII, “Imortale Dei”, sobre a constituição cristã dos estados, confirmando as palavras do apóstolo Paulo, de que “não há poder que não venha de Deus”, na carta aos Romanos, cap. 13-1, e que “todo homem esteja sujeito às potestades superiores” (idem). Ou “aquele que resiste à potestade, resiste à ordenação de Deus. E os que lhes resistem, a si mesmo trazem condenação” (idem, cap 2). (biblicamente, este respeito é aconselhado também em relação a qualquer outra autoridade constituída, inclusive pagã).

Evidentemente, daí se deduz logicamente, que a condenação se encontra também na desordem resultante em prejuízo do próprio rebelde que, desacatando a autoridade legítima, se autoproporciona um prejuízo incalculável, pois todo o poder foi dado por Deus para o bem, não existindo, portanto, um poder essencialmente para o mal, assim como o filho é naturalmente subordinado ao pai sem nenhuma alegação de “acaso” de nascimento e ao pai só lhe foi dado poder sobre o filho para o bem deste. Nestas bases (divinamente outorgadas), servindo ao soberano e pai sociais, serve-se o súdito a si mesmo. A este respeito, vide “A Autoridade e as formas de Governo, finalidade da sociedade Civil e do Estado”, conferência da nossa autoria publicada em “A Ordem”, de agosto de 1934.

Daqui, tiraremos conclusões importantes, não apenas de ordem política, mas também pedagógica, social, biológica e histórica. Tão importante é o estudo da Genealogia que o insigne autor citado, diz ainda que ela é “indispensável aos que querem escrever, ensinar ou conhecer de uma maneira precisa, a história de cada nação”.

“É uma ciência-mãe para os que se entregam ao exercício do Direito Público, da Diplomacia e da Política. Ninguém poderá raciocinar sobre os direitos do seu príncipe, representá-lo nas cortes estrangeiras ou servir aos seus interesses como ministro, ou como homem público, se não conhece a fundo a história genealógica de sua casa e de suas alianças. Tanto é verdade esta afirmação, que o célebre Leibnitz, o sábio mais universal da Europa, soube render à Genealogia toda a homenagem que merece, publicando a Crônica de Alberico, monge de Trois-Fontaines, na qual se encontra, sobre a genealogia da idade média, tudo o que se pode desejar de mais útil e de menos imperfeito. Os séculos subsequentes viram nascer genealogistas que honraram esta ciência, e que prestaram enormes serviços à Literatura”.

É verdade que a revolução francesa (ou conspiração mundial franco-maçônica) destronou e procura destruir grande parte das dinastias (como a do Brasil), mas como a História não pode deter-se em seu curso, honestamente não se pode deixar de estudar um passado que poderá vir a ser futuro; e que é patrimônio da humanidade, pois a Tradição é “o que passa adiante”, não morre, e não sabemos o que o futuro nos reserva com toda a série de imprevistos e sucessos espantosos.....................................

 

AS HIERARQUIAS HISTÓRICAS

 

Falamos expressamente da Nobreza medieval, que se distingue completamente das aristocracias patrícias (romanas) do passado, oligárquicas e poderosas. A nobreza é uma instituição essencialmente cristã (católica) porque Nobreza é valor moral, é a grandeza a serviço do bem; a força a serviço da Verdade, da justiça, do valor, da dedicação, do espírito de renúncia, protegendo o fraco, defendendo o humildes, as viúvas, os órfãos, respeitando a todos. A Nobreza abrangia os homens nas suas mais altas qualidades morais, pois Nobreza quer dizer caráter, virtude. Ora, as aristocracias da antiguidade não se distinguiam por este traço de unificação, antes, eram apenas famílias poderosas, mas ferozes. Os patrícios de Roma ou os Arcontes de Atenas tinham por base a escravidão e desconheciam totalmente a noção de caridade que caracteriza a Nobreza, a qual é baseada no amor aos seus semelhantes, devido ao temor e amor a Deus. A Nobreza é a Cavalaria propriamente dita. Daí o justo orgulho destas nobilíssimas dinastias que fizeram a civilização (ocidental) no seu sentido mais absoluto. E nada mais digno de ser imitado que as virtudes dos nossos antepassados que foram grandes, porque foram virtuosos, porque usaram do seu poder em favor de um ideal de justiça e temperança, mesmo diante de todas as imperfeições humanas, e que foram baluartes da nossa civilização.

Seria preciso enfatizar ainda mais o valor social e civilizador dessa instituição? Que é afinal, a civilização? Responde Mons D’Hulst: “É o conjunto de instituições que torna o homem melhor e mais feliz”. E o quê, poderia fazer o homem melhor e mais feliz? É a sua força moral, pois não são as riquezas ou o poder em si mesmos considerados (porque os Césares de Roma eram infelicíssimos); não são a saúde ou força física, glória, cultura ou fama, por si mesmas, mas sim, o homem por inteiro ao serviço de Deus, o que é o bem estável, sumo e perfeito, justo e bom, belo e verdadeiro.

A felicidade consiste na consciência repousando nesse bem supremo, porque nesta vida, onde tudo é transitório, não há felicidade completa. Assim, pois, as nossas ações neste mundo com visão de outra vida, e, portanto, com os olhos fitos em Deus, em perene alegria e entusiasmo realizador, benfazejo, nos dará o ideal do Cavaleiro. E estes, do nada tiraram tudo! Essa legião de heróis, do nada construiu a nossa civilização, e quando eram armados cavaleiros, não tinham um soldo na algibeira (não eram soldados mercenários) e souberam compreender nos altos postos, que o principado político é um principado moral e não pode nem o deve exercer, quem não estiver gozando da Graça de Deus, porque não compreenderá a razão de felicitar aos outros, que estão na sua dependência.

Entre outros, Leon Gouthier, na sua monumental obra “La Chevallerie”, prêmio da Academia Francesa, nos dá uma noção da caluniada Nobreza, a qual enche a história da cristandade com as mais belas gestas e larga generosidade. Qual ideal “humanista” poderia substituir o ideal cristão? Qual filosofia, quais outros princípios senão os cristãos poderiam estruturar o caráter desses homens? Que outro conjunto de afirmações, que não as do cristianismo, poderiam gerar as universidades, os exércitos invencíveis, as gestas maravilhosas, a cultura, as artes, as ciências, o progresso que a era cristã nos apresenta em face de toda a História Universal?

Indiscutivelmente, essa força moral no seu sentido máximo foi o legado do cristianismo, que, arrancando o homem da escravidão cesárea da antiguidade, deu-lhe a exata noção da sua personalidade, formada em corpo, alma e espírito; alma imortal e livre, dando-lhe, portanto, a consciência da liberdade e do amor entre os homens, afirmando definitivamente a (instituição divina da) família para patrícios e plebeus; a igualdade verdadeira dos homens perante Deus, a certeza do nosso destino eterno, a noção exata do quê somos, de onde viemos e para onde vamos; a consciência de uma verdadeira noção da vida, do universo e seus destinos e a conseqüente ordem política, social e econômica baseada na caridade cristã, que é, esta sim, a FRATERNIDADE LEGÍTIMA. Esta é a verdadeira tríade: LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, que a revolução (francesa) destruiu, plagiou, deformou e falseou ao seu talante.

Ora, se a família é uma instituição natural, mas básica na doutrina cristã, sendo a Igreja a mais impertérrita do vínculo conjugal, e mesmo na antiguidade a defendeu pela antiga Lei (mosaica) e o povo hebreu manteve as linhas de sucessão familiar e foi essa a razão da sua força (e até hoje os judeus são ciosíssimos da sua genealogia), a Genealogia é, pois, uma ciência que deve à igreja católica o seu esplendor, traçando às famílias a norma de sua organização e da sua propriedade, nela assentando a vida da sociedade. A Nobreza, pois, não é mais que a decisiva afirmação da instituição (divina) da família e dos princípios da vida social cristã.

Há de honrar-nos, pois, saber as virtudes dos nossos avoengos que construíram esta civilização definitiva e que foram esteio dessa ordem maravilhosa. Mesmo as suas prevaricações e os seus erros são o nosso horror, e para corrigi-los e repará-los, as futuras gerações devem se empenharem aumentar o mérito de suas famílias. Se ficam as honras, ficam as faltas que devem ser reparadas com (o acréscimo) de mais honra. E isto é forte na pedagogia social.

A Genealogia, mais que todas as outras ciências, é a ciência do valor humano da civilização. Não é apenas a ciência biológica materialmente falando, henoteica, do valor do sangue. Ao contrário, é espiritualista no mais alto sentido, porque transfere às gerações póstumas todo um manancial de ensinamentos e de bom nome, de justiça e coragem, de disciplina e hierarquia, de honra e correção, polidez e lealdade.

Haverá coisa mais bela que cultuar na hereditariedade do sangue dos nossos avós o bom exemplo que devemos imitar? Haverá coisa mais bela que relembrar as gestas inefáveis, os feitos gloriosos, os sacrifícios sem nome por amor a Deus que é a fonte de todo poder, de toda ordem, de toda hierarquia, de toda a civilização, portanto? Não, não podemos esquecer a cultura, a genialidade o esforço; não podemos esquecer que nossos ancestrais foram Cavaleiros de Deus: gládio em defesa da cruz, e, portanto, em defesa do bem, da ordem, e paz cristã, que faziam a ordem perfeita. E com isto temos dito tudo o quanto de mais alto se poderia dizer do valor moral de uma ciência.

Para nós, as demais aplicações utilitaristas da Genealogia são acidentais: O essencial é este aspecto sublime em que a Genealogia é a verdadeira ciência da família e da educação. Ora, a sociedade só é grande quando as famílias têm ordem e dignidade. E quando uma sociedade é assim superior, a civilização que a envolve é grandiosa, próspera, magnífica e bela.  Sem dúvida, a Nobreza é a floração mais preciosa das famílias cristãs, por tudo quanto nela é elevado e magnânimo. Foi por isto que a Nobreza, sendo a mais diminuta e restrita de todas as classes sociais, deu à Igreja o maior número de santos, a começar por N.S. Jesus Cristo, príncipe real da casa de David. Por isso a Genealogia fala mais diretamente à Nobreza, que é a mais alta expressão da família. E a todos é licito e justo se orgulharem do seu sangue, pois até Jesus se orgulhava da sua real estirpe e não se opunha a que o aclamassem como “Filho de (rei) David”. Portanto, não devemos inverter valores, e por causa do grosseiro utilitarismo do século (XX) esconder – como que vexados – o culto às virtudes daqueles que já passaram. Essa é a razão porque a Genealogia é mistér dos que se honram de suas linhagens, sejam elas quais forem, embora desrespeitosamente chamem a isto, justa ou injustamente, “vaidade”.

A vaidade não pertence à Genealogia, porque é vil, e a Genealogia é a ciência da nobreza (de espírito). Ora, quem se envaidece, já de início afirma a sua nenhuma dignidade, a sua vileza, porque o nobre é modesto e afável, sem orgulho e sem preconceito. É altivo; e não se confunda altivez, que é virtude, com vaidade, que é vício.

Sendo a Genealogia uma ciência que encontra seus materiais nas linhagens passadas, na sua expressiva expansão social, forçosamente o genealogista haverá de encontrar-se diante dos feudatários, dos cavaleiros, dos barões, dos condes, dos marqueses, dos duques, dos príncipes, dos reis e dos imperadores. Nesse caso, que faremos para satisfazer os preconceitos antinobiliárquicos? Esconderemos a História de UM MILÊNIO E MEIO, envergonhados? Apagaremos o passado (como de fato se faz hoje no Brasil)? Não, se o encararmos apenas do ponto de vista essencial da Genealogia nos seus estritos valores: político, pedagógico, social, biológico e histórico. Estes, o homem de ciência não poderá negá-los, porque a ciência (verdadeira) não tem preconceitos, ama a verdade acima de tudo. E, assim considerados os valores nobiliárquicos, aqui não entram estultas vaidades que por si já desdizem as pretensões nobiliárquicas, porque só é nobre quem é simples e limpo de coração.

A História servirá de guia para mostrar-nos a utilidade do critério genealógico, pela ação do homem dentro do tempo e do espaço, na política e na sociedade, sendo que da sinderese destas duas encontraremos os aspectos pedagógicos e biológicos.

 

ASPECTO BIOLÓGICO (pulamos este capítulo)

 

A TRADIÇÃO NOBILIÁRQUICA

 

Essa instituição de governo exigia e condicionava um conjunto de virtudes superiores (cívicas e morais), e nobres, portanto, através de um duro aprendizado da vontade (auto-sacrifício e disciplina), a que se chamou, em toda a sua extensão – Nobreza!.......................................................................................................................................................................................................................................................

Como exemplo de meio condicionante, pedagógico, lembremos que o fim infeliz da princesa de Lamballe não é menos nobre que o de seu cabeleireiro Leonard, que impressionado pelo assassinato da rainha, e por conhecer de perto a sinceridade dos bons sentimentos dessas altas personagens, correu horrorizado a atirar-se no Rio Sena, afogando-se. Ele era um pequeno burguês que tinha a alma de gentil-homem, porque o exemplo da Nobreza se irradia aos próprios serviçais, e as famílias que estão no ápice da sociedade devem ser o paradigma da dignidade, largueza de coração, dedicação e da amizade; da intrepidez e da coragem, da serenidade e da justiça, da liberalidade e retidão, da rigeza de atitudes e suavidades no fazer e aplicar a justiça. O horrendo pecado do suicídio foi, também, no obscuro cabeleireiro, uma expressão de bem-querer, de reconhecimento aos méritos de tão alta personagem, e a sua louca atitude é, contudo um apontador dos que os seus bons sentimentos não estavam controlados por aquela boa educação que os séculos conferem às famílias nobres.

O homem vil não pode ter os mesmos rasgos perfeitamente gentis do cavaleiro. A elegância de boas maneiras não se improvisa. Se o cisne é elegante na sua mais bela expressão, é porque os seus gestos são simples e graciosos, como ó é da essência da elegância. A simplicidade de maneiras só se adquire pelo nascimento, pelo convívio, pelo temperamento. Forçoso é reconhecer essa verdade de que nem mesmo se querendo é possível transformar-se um plebeu, um vilão, um burguês, um “parvenu”, num gentil-homem. E essa verdade é tão evidente que as “mesalliances” têm provado não ser fácil conseguir este espírito de serenidade, sobranceria, docilidade, benignidade que caracteriza a verdadeira Nobreza......................................................................................................

Dizia-se, aliás, que não havia maior inimigo da Revolução (francesa) do que os criados de quarto, porque estes, mais do que os outros conheciam de perto a bondade, a superioridade e magnanimidade desses injustiçados aristocratas, no mais íntimo das suas atitudes, onde não são possíveis artifícios. Daí porquê a revolução não encontrou no povo honesto francês o respaldo e a aprovação, e sim no populacho ignaro, nos desclassificados, e ao contrário, com a ajuda destes últimos (massa de manobra) levou à morte na guilhotina milhares de verdadeiros representantes do povo, fiéis que eram àquelas casas nobilíssimas cujo sangue estava identificado com a terra pátria, e eram eles mesmos a sua história viva, e a cuja sombra protetora se abrigava, numa íntima colaboração de interesses comuns existentes entre o (verdadeiro) Povo e a Nobreza (perfeitamente sintonizados num excelente pacto social).

Não será preciso se exceder em demonstrá-lo, porque os anais da História estão pejados dos exemplos mais eloqüentes e belos. Quando morre um rei, o sentimento é universal. Bondosos e gentis mesmo na agonia da morte, são eles a expressão mais marcante dessa avita Nobreza, e as suas proclamações, os seus manifestos, suas cartas, suas despedidas, todos os seus escritos revelam a brandura das suas maneiras amáveis. Ainda em nossos dias se dão disto testemunho.

O mundo atual sofre a ausência de galanteria e gentileza. Os gentis e galantes-homens estão à margem dos acontecimentos. A sua influência moral é insignificante, embora a sua ação não tenha desaparecido. Estando o mundo cansado de experiências trágicas e funestas, quando os homens ressuscitarem o “espírito da nobreza” que nas guerras dava ao inimigo a prioridade no ataque, não sitiando as cidades pela fome, não ensangüentando as armas nobres com o sangue inocente (em oposição ao atual “pragmatismo” imoral dos EUA), então aquela lealdade, correção e fidelidade à palavra dada, que era a própria honra dos nobres, voltará a reinar sobre a Terra. Porque a palavra de um rei não retrocede, isto porque a caridade cristã, que é o fundamento da Nobreza, implicava no cumprimento de uma promessa a que se não pode fugir por decoro, por um princípio de dignidade e altivez e por justiça ao prometido.

 

PEDRO TAQUES, O PAI DA GENEALOGIA PAULISTANA
PERSONALIDADES DA GENEALOGIA BRASILEIRA - XI PEDRO TAQUES

Sargento-mor PEDRO TAQUES DE ALMEIDA PAES LEME nasceu no final de junho de 1714, na Cidade de São Paulo, onde foi batizado em 1º/7/1714, na Igreja do Carmo, filho do Capitão Bartolomeu Paes de Abreu e de Leonor Siqueira Paes.
Casou-se, pela primeira vez, em 1735, em São Paulo, com Maria Eufrásia de Castro Lomba, falecida em 20/8/1757, com quem teve os filhos: Frei Joaquim Antônio Taques, Balduíno Abagaro de Almeida Taques e Emília Flávia da Conceição Taques, além de Pedro e Ana que faleceram ainda crianças. Contraiu núpcias, pela segunda vez, no Rio de Janeiro, em 1761, com Ana Felizarda Xavier da Silva, falecida no ano seguinte, sem geração. Casou-se, pela terceira vez, em 1768, em São Paulo, com Inácia Maria da Anunciação e Silva, com quem teve a filha Catarina Angélica Taques, esta casada com Manuel Alves Alvim, com descendência.
Desde a adolescência, Pedro Taques de Almeida Paes Leme tinha paixão pela história e assuntos de genealogia. Por cerca de 50 anos, ele examinou cartórios das vilas das Capitanias de São Paulo e de São Vicente, tanto os seculares quanto os eclesiásticos. Notável genealogista, foi autor de um manuscrito cujo original teria cerca de 101 títulos de famílias paulistas, dos quais se conhecem apenas 24, que foram posteriormente publicados em cinco edições, sob o título “Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica”. De caráter abrangente, a obra não trata de nobiliarquia, mas de genealogia histórica dos séculos XVI a XVIII, contendo história dos bandeirantes, de fundadores de vilas, da corrida do ouro, do povoamento e da expansão territorial brasileira. Diante da impossibilidade atual de rever boa parte da documentação que o autor teve acesso, muitos historiadores lançam mão das informações da obra de Pedro Taques de Almeida Paes Leme.
Pedro Taques de Almeida Paes Leme frequentou o curso de artes no Colégio Jesuíta de São Paulo, onde estudou gramática, retórica, lógica, latim, aritmética e geometria. Foi sargento-mor do Regimento de Nobreza de São Paulo em 1737. Aos 30/1/1750, foi nomeado escrivão da Intendência Comissária e Guarda Moria do Distrito de Pilar, com jurisdição sobre os arraiais de Crixás e Guarinos, em Goiás. No mesmo ano, tornou-se escrivão forel e tesoureiro da Real Intendência das Minas de Nossa Senhora do Pilar – Nossa Senhora da Conceição dos Crixás na Capitania dos Guayazes (Goiás). Nessa mesma época, foi provedor comissário da fazenda dos defuntos e ausentes nas Minas de Goiás. Aí permaneceu com a família por cerca de quatro anos, retornando à Cidade de São Paulo no início de 1754.
No ano seguinte, Pedro Taques de Almeida Paes Leme resolveu levar, pessoalmente, a Lisboa o resultado de suas pesquisas genealógicas. Lá chegou no início de setembro de 1755, testemunhando, pouco tempo depois, o terremoto de 1º/11/1755, seguido de um tsunami, que destruíram completamente Lisboa, vitimando mais de 50 mil pessoas.
A casa de Pedro Taques de Almeida Paes Leme foi arrasada e nela nada se salvou. Perderam-se, assim, valiosos documentos próprios e alheios que ele havia levado a Portugal. A maior parte dos títulos de famílias manuscritos por ele foram perdidos no terremoto de Lisboa.
Com isso, Pedro Taques de Almeida Paes Leme encontrou abrigo na casa de Isabel Pires Monteiro, que foi casada com o Sargento-mor João Fernandes de Oliveira, o primeiro contratador de diamantes do Tijuco.
Ainda em Portugal, Pedro Taques de Almeida Paes Leme foi nomeado tesoureiro-mor da Bula das Capitanias de São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Partindo de Portugal em 12/3/1757, ele precisou ficar algum tempo no Rio de Janeiro para tomar posse do novo cargo e atender as exigências para o exercício do cargo, dentre elas a hipoteca de bens e garantia de dois fiadores. Em junho de 1763, tornou-se guarda-mor das minas de ouro da Cidade de São Paulo e seu termo. Esses dois cargos davam ao célebre genealogista uma confortável situação financeira e, ainda, possibilitavam que, durante as suas viagens para fiscalizar as repartições sob sua guarda, empreendesse pesquisas em cartórios civis e eclesiásticos.
Porém, em meados da década de 1760, em São Paulo, a vida de Pedro Taques de Almeida Paes Leme passou por um revés. De um momento para o outro, o Arcediago Mateus Lourenço de Carvalho, comissário da Bula da Cruzada, após consultar o capitão general e o ouvidor geral, suspendeu Pedro Taques de suas funções de tesoureiro mor, procedendo imediatamente rigoroso exame de contas, apurando um débito para com a Fazenda Real no enorme montante de 13:426$886. Os fiadores foram chamados a cobrir o valor, com sequestro de bens de Pedro Taques e de seus garantidores.
Pedro Taques de Almeida Paes Leme contestou as excepcionais medidas, alegando que tinha a arrecadação em perfeita ordem, além de garantias, pugnando por prazo para pagar o pretenso desfalque. Em vão, ele procurou evitar a ruína. Lançando mão de bens próprios e de sua mãe, o célebre genealogista conseguiu, de pronto, reduzir o desfalque a dois terços do valor inicial. Com a remessa feita por seu procurador em Goiás e o produto da hasta, o desfalque caíra para 4:974$577.
Inteiramente destituído do cargo, Pedro Taques de Almeida Paes Leme ficou em estado de miséria, sofrendo, também, algumas execuções de particulares. Em 1771, ele vivia de suas lavouras em São Paulo. No ano de 1774, o valor da cobrança da Bula havia sido reduzida a um décimo do que fora inicialmente.
No ano de 1774, Pedro Taques de Almeida Paes Leme empreendeu uma segunda viagem a Portugal. Acometido por uma paralisia que avançava rapidamente, Pedro Taques de Almeida Paes Leme quis voltar a São Paulo para rever os seus. Pouco antes de retornar, ele obteve, do Rei, um subsídio de quinze mil cruzados, a título de compensação pelos prejuízos sofridos com a anulação dos pedágios do caminho de Goiás.
Pedro Taques de Almeida Paes Leme aportou em Santos no final de em 1776. Fez a penosa subida do Cubatão carregado em rede, voltando a sua casa, em São Paulo, na “rua que ia do Palácio ao Carmo e Tabatinguera”.
Já no final da vida, mesmo com a saúde bastante debilitada, Pedro Taques de Almeida Paes Leme ainda frequentava arquivos. Morreu pobre, no dia 3/3/1777, em São Paulo, sendo sepultado no jazido dos Terceiros do Carmo. Deixou testamento, determinando, entre outras disposições, que o subsídio prometido pelo Rei fosse utilizado para liquidar toda e qualquer parcela das que ficava a dever, por menor que fosse.
Porém, o subsídio régio prometido por D. José I não foi pago, pois o rei falecera, ascendendo ao trono D. Maria I, que contrariou os atos do seu antecessor.
Doze anos após seu falecimento, sua filha mais velha promoveu um processo reabilitador de sua memória, enxovalhada por seus inimigos. As pessoas mais ilustres de São Paulo daqueles tempos declararam que tinham Pedro Taques de Almeida Paes Leme como inocente vítima da mais clamorosa injustiça, da mais cruel perseguição, movida por seu inimigo fidagal. Dr. José Correa da Silva, que se aproveitou da fraqueza e credulidade do Arcediago Mateus Lourenço de Carvalho.
O manuscrito genealógico de Pedro Taques de Almeida Paes Leme teve triste sorte. Os volumes foram dispersados e, dos seus cerca de 101 títulos de famílias, apenas 24 foram salvos, graças ao fato de existirem cópias em Portugal e aos cuidados de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, do Conselheiro Diogo de Toledo Lara e Ordonhes e do irmão deste, Marechal José Arouche de Toledo Rendon.
Com a morte do marechal, em 1834, os 59 cadernos da cópia da “Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica” passaram para as mãos da filha dele, Maria Benedita de Toledo Arouche que os entregou ao do Visconde de São Leopoldo. Com a morte deste, em 1847, o material passou para seu filho, José Feliciano Fernandes Pinheiro, que, em 1855, ofereceu o manuscrito ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Com isso, a obra genealógica de Pedro Taques de Almeida Paes Leme foi publicada pela primeira vez, nos anos de 1869 a 1872, sob o título “Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica”, nos volumes XXXII a XXXV, da Revista do IHGB. Em 1926, veio a lume o 1º volume da obra, em nova edição do IHGB, sendo que, nos anos de 1941 e 1944, o IHGSP publicou os 2º e 3º volumes. Nova edição veio à lume em 1953, pela Biblioteca Histórica Paulista, da Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, inclusive com uma triagem de luxo. Por fim, em 1980, a obra foi republicada nos volumes 5 a 7, da Coleção Reconquista do Brasil, Ed. Itatiaia – Belo Horizonte/EDUSP.
Considerado o historiador dos bandeirantes, Pedro Taques de Almeida Paes Leme não deixou apenas essa grandiosa obra de genealogia histórica, mas também:
“História da Capitania de S. Vicente”, publicada na Revista do IHGB, vol. IX;
“Informação sobre as minas de S. Paulo”, publicada na Revista do IHGB, vol. LXIV;
“Notícia histórica ou expulsão dos jesuítas do Colégio de S. Paulo, em 1640”, publicada na Revista do IHGB, vol. XII; publicada na Revista do IHGB, vol. IX;
Ainda de autoria de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, reputam-se perdidos os seguintes manuscritos:
“História de S. Paulo”,
“Memórias de Jundiahy”,
“Elementos de História de Piratininga”,
“Apontamentos”,
“Discurso chronologico dos descobrimentos do Brasil”,
“Informação sobre o estado das aldeias de índios da Capitania de S. Paulo”,
“Vida de Martim Affonso de Souza”,
“História do levantamento das Minas Gerais”,
“Demonstração veridica e chronologica” e
“História da Conquista a que foram à Bahia os paulistas”
FONTES:
LEME, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana, vol. II. São Paulo: Duprat & Cia., 1904.
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes Leme. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, tomo I. 5ª ed, acrescida da parte inédita, com uma biografia do autor e estudo crítico de sua obra por Afonsa de E. Taunay. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. USP, 1980.
(colaboração de Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho)
Imagem: Pedro Taques de Almeida Paes Leme com seus os primos , Frei Gaspar Madre de Deus e Frei Miguel Arcanjo da Anunciação discutindo pontos da história de São Paulo (tela de F. Richter, no Museu Paulista)
Pode ser arte de 2 pessoas, pessoas sentadas e área interna

Nenhum comentário:

Postar um comentário